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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A Constituição Federal e o Exame de Ordem.

O exame de ordem não é qualificação profissional, e que as instituições de ensino, e não a OAB, são aptas a declarar a aptidão para a inserção no mercado profissional. Cabe ao Poder Público, e a mais ninguém, autorizar e avaliar o ensino. Até pelo fato de que a OAB não é parte da Administração Pública, mas apenas um Conselho a quem cumpre fiscalizar o exercício profissional, e não a aptidão para tal exercício.

Aliás, a própria expressão “exame de ordem” demonstra que um exame não pode ser confundido com a qualificação. Um exame visa apenas avaliar se a qualificação existe ou não. Ocorre que a Constituição, e a própria LDB que é lei posterior à lei 8.906/94, atribuíram tal avaliação às próprias instituições de ensino, fiscalizadas e avaliadas pelo Poder Público, e não aos conselhos de exercício profissional.

A prevalecer a vontade da OAB, somos obrigados a deduzir que as Faculdades de Direito, que são autorizadas por lei e que assim admite os alunos e lhes cobra pesado ônus financeiro, além de tolher-lhes tantos anos de seu precioso tempo, estariam cometendo verdadeiro estelionato, estariam vendendo um produto, recebendo o respectivo pagamento sem entregar o resultado final, como assim ?

Sendo assim, se o exame de ordem não é qualificação profissional, e se também não é apto para declarar a existência ou não da qualificação profissional, conclui-se que é inconstitucional que o legislador ordinário tenha o instituído como um instrumento destinado a restringir o exercício profissional, quando a Constituição Federal assegurou a liberdade restrita apenas à existência de qualificação, e não a outros requisitos.acordo com o art. 44 do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei 8.906, de 04.07.1994), a Ordem dos Advogados do Brasil possui personalidade jurídica de direito público e desempenha atividades de enorme importância em nossa ordem jurídico-constitucional, tais como a defesa da Constituição, da ordem democrática, dos direitos humanos e da justiça social, ao mesmo tempo em que deve cuidar, com exclusividade, da fiscalização do exercício profissional dos advogados, que a Constituição Federal considera (art. 133) “indispensáveis à administração da Justiça”.

De acordo com a Constituição Federal (art. 205), a EDUCAÇÃO tem como uma de suas finalidades a QUALIFICAÇÃO PARA O TRABALHO. Diz ainda a Constituição que o ensino é livre à iniciativa privada e que cabe ao PODER PÚBLICO a AUTORIZAÇÃO (portanto, para a abertura e o funcionamento dos cursos) e a AVALIAÇÃO DE QUALIDADE (ou seja, o que a OAB pretende fazer, através do “RANKING” dos cursos jurídicos, que publica, e através do EXAME DE ORDEM).

Ainda de acordo com a Constituição Federal, em seu catálogo de direitos e garantias – CLÁUSULAS PÉTREAS (art. 5º, XIII), é LIVRE o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, ATENDIDAS AS QUALIFICAÇÕES PROFISSIONAIS QUE A LEI ESTABELECER. Evidentemente, as qualificações profissionais seriam aquelas obtidas na Universidade, que QUALIFICA PARA O TRABALHO. A LEI não poderia estabelecer um EXAME DE ORDEM, como o da OAB, para a verificação dessas qualificações profissionais, porque estaria invadindo a competência da Universidade (para QUALIFICAR) e a do Estado, do poder público, do MEC (para AVALIAR).

Seria, assim, uma LEI INCONSTITUCIONAL, a que criasse esse EXAME DE ORDEM. Seria materialmente inconstitucional. Seria uma inconstitucionalidade material, de fundo, porque essa LEI atentaria contra os diversos dispositivos constitucionais, já citados.

No entanto, essa LEI NEM AO MENOS EXISTE, porque o EXAME DE ORDEM da OAB foi criado, na verdade, POR UM PROVIMENTO, editado pelo Conselho Federal da OAB. Vejam o absurdo: um direito fundamental (art. 5º, XIII, da CF) sendo limitado, não por uma lei, mas por um simples PROVIMENTO de um Conselho Profissional. Isso ocorre porque a Lei nº 8.906 (ESTATUTO DA ORDEM), impõe, como requisito para a inscrição como advogado, A APROVAÇÃO EM EXAME DE ORDEM (art. 8º, IV). Nada mais. Diz, apenas, que O EXAME DE ORDEM SERÁ REGULAMENTADO EM PROVIMENTO DO CONSELHO FEDERAL DA OAB (art. 8º, §1º).

Portanto, o Exame de Ordem NÃO FOI CRIADO POR LEI do Congresso, porque o Estatuto da OAB nada disse a seu respeito, nem foi REGULAMENTADO PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, como deveria ter sido (Constituição Federal, art. 84, IV, in fine). A norma é inconstitucional, porque a competência de REGULAMENTAR AS LEIS É PRIVATIVA do Presidente da República.

Verifica-se, desse modo, que o Exame de Ordem é, também, FORMALMENTE INCONSTITUCIONAL, porque foi criado por um órgão que não tinha a necessária competência para tanto. SOMENTE A LEI DO CONGRESSO, REGULAMENTADA PELO PRESIDENTE, poderia restringir o DIREITO FUNDAMENTAL AO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO (CF, art. 5º, XIII).

Pois bem: a Ordem dos Advogados, tendo natureza pública – porque ela não é um “Clube dos advogados” -, precisa ser transparente, em sua atuação, e precisa responder, honestamente, às críticas que recebe, tentando, ao menos, justificar juridicamente as suas decisões. É o mínimo, que dela se pode esperar. É impossível, no Brasil, hoje, estabelecer restrições à livre manifestação do pensamento, mesmo para a Ordem dos Advogados, com todo o poder e prestígio de que ela dispõe. É impossível, mesmo para a Ordem dos Advogados, impor, arbitrariamente, as suas decisões, como no caso do exame de ordem, prejudicando milhares de advogados, de bacharéis, ou a própria sociedade, sem que para isso exista plausível fundamentação jurídica.

PORTANTO, o EXAME DE ORDEM é DUPLAMENTE INCONSTITUCIONAL: MATERIALMENTE, porque atenta contra diversos dispositivos constitucionais, que atribuem competência às Universidades e ao poder público, em relação à qualificação para o trabalho e à avaliação da qualidade do ensino; e FORMALMENTE, porque não foi criado por lei e regulamentado pelo Presidente da República, mas sim pelo Conselho Federal da OAB, através de um Provimento.

Mas, além disso, MESMO QUE FOSSE CONSTITUCIONAL O EXAME DE ORDEM, ele não poderia ser aplicado sem a necessária TRANSPARÊNCIA e sem qualquer controle externo. Não se sabe, até hoje, quais são os critérios adotados pelo Exame de Ordem, se é que eles existem. Chega a ser ridículo que a Ordem dos Advogados fiscalize todo e qualquer concurso jurídico; que ela participe, com dois advogados, por ela escolhidos, do Conselho Nacional de Justiça, que controla a magistratura; que, da mesma forma, ela participe do Conselho Nacional do Ministério Público, que controla os membros do “parquet”; e, no entanto, ninguém possa controlar o seu exame de ordem, que é capaz de afastar, anualmente, do exercício da advocacia, cerca de 40.000 bacharéis, que concluíram o seu curso jurídico em instituições reconhecidas e credenciadas pelo poder público, através do MEC. Ressalte-se, uma vez mais, que essa restrição, que atinge os bacharéis reprovados no exame de ordem, atinge DIREITO FUNDAMENTAL, constante do “catálogo” imutável (cláusula pétrea) do art. 5º da Constituição Federal, com fundamento, tão-somente, em um PROVIMENTO editado pelo Conselho Federal da OAB. Como se sabe, nem mesmo uma EMENDA CONSTITUCIONAL poderia ser TENDENTE A ABOLIR UMA CLÁUSULA PÉTREA (CF, art. 60, §4º).

“Quando o Estado é fraco e os governos débeis, triunfam os poderes fáticos e os grupos de interesses corporativos. Sempre sob invocação da autonomia da “sociedade civil”, bem entendido. Invocação despropositada neste caso, visto que se trata de entes com estatuto público e com poderes públicos delegados. Como disse uma vez um autor clássico, as corporações são o meio pelo qual a sociedade civil ambiciona transformar-se em Estado. Mais precisamente, elas são o meio pelo qual os interesses de grupo se sobrepõem ao interesse público geral, que só os órgãos do Estado podem representar e promover.”

Disse:Gisa Moura.

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